sábado, 17 de julho de 2010

Sou velhinho?



Bem, eu nasci em 04/06/1965, época em que o regime militar se fazia mais que presente na vida dos brasileiros. Isso foi algum tempo depois do Golpe de Estado que ocasionou a derrubada de Getúlio. Não preciso então dizer que cresci em meio à ditadura com seus "mirabolantes" regimes de repressão, nem tampouco que se a vida já estava muito difícil, ficou ainda mais pricipalmente para uma família negra migrante de MG, sendo um pai pedreiro e uma mãe faxineira.
Para me tornar um autodidata, já que o regime militar da época não permitia que os professores "ensinassem" ou comentassem certos assuntos em sala de aula (o que poderia abrir os olhos do povo e, talvez, provocar uma revolução) chegando inclusive a ter "olheiros" dentro das escolas, não foi fácil não. Ter que conviver com a "negativa" social confesso foi muito difícil.
Sempre fui muito sensível a tudo ao meu redor e quando adolescente percebia que tentavam me "calar" ou mudar minha maneira de expressar certos assuntos e isso sempre me incomodou muito.
Comecei a trabalhar cedo (com 12 anos) e foi por necessidade mesmo. No meu primeiro emprego era carregador de caminhão numa loja de pisos e azulejos. Nas horas vagas eu ficava desenhando letras nos pedaços de papelão que sobravam das embalagens. Meu patrão percebendo essa minha capacidade e, generoso em melhorar o meu salário, resolveu pedir para eu ser também o "cartazista". Então passei a ser o "mulequinhu" que escrevia os cartazes da loja, além de carregar o caminhão, é claro.
Por problemas de saúde tive que sair desse emprego (na verdade uma hérnia umbilical readquirida por carregar muito peso). Como na época só podia trabalhar com registro em carteira a partir dos 14 anos, e eu fui admitido sabendo disso, não preciso dizer que não tive direito à qualquer reparação ou indenização pelo na época tão famigerado INPS (hoje INSS). Tudo isso sempre foi permeado pelos estudos. Sempre fui um aluno de nível médio (o que na minha lógica significa saber "um pouco de cada matéria"), mas eu tinha as minhas preferidas.
Aos 14 anos (de acordo com a lei) voltei a trabalhar - e dessa vez com registro na CP. Foi na Chocolates Evelyn que ficava relativamente perto da minha casa. Era possível ir almoçar em casa e voltar no período de 1 hora. Trabalhei pouco lá. Eu tinha 2 funções distintas: pegar as tábuas que vinham pela esteira - que eram suporte para resfriamento dos famosos "guarda-chuvas" de chocolate e distribuir entre as "colocadeiras" - mulheres que colocavam o cabinho no chocolate ainda derretido, dentro dos "conezinhos" e os arranjavam nessas tábuas enviando-as de volta pelo túnel refrigerado. A minha segunda função era preparar a "massa" ou "goma" para fazer os "também famosos" pirulitos com "cara de menina". Numa caldeira à 350ºC de "quentura" eu adicionava os ingredientes e preparava tudo. As 2 piores partes eram: adicionar o corante vermelho que me deixava com as mãos manchadas e todos perguntavam se eu havia me machucado (relacionando a tinta ao medicamento "mertiolate" que na época ainda não existia na versão "incolor") e passar gordura vegetal na bacia da caldeira fervente - uma bacia com capacidade para uns 100 litros e isso deveria ser feito com ela ainda quente para que a gordura vegetal derretesse bem e aderisse por completo às paredes. (Ainda bem que trabalhei pouco, porque o "trampo" era duro).
Depois disso, já com 15 anos, consegui um emprego que era o mais "desejado" da época (1980), Office-Boy. E isso pra mim foi uma verdadeira realização profissional. A oportunidade de conhecer a cidade com outros olhos, de dar passos além dos costumeiros... de sair dos meus limites geográficos, conhecer outros municípios... Isso era algo mágico... Muito além do simples ato de ir de casa para o trabalho (ali pertinho) e do trabalho para a escola. Sim aos 15 anos eu já estava cursando o 1º ano do Ensino Médio, à noite (na época conhecido como "colegial") e surpreendam-se: para fazer o Ensino Médio, na época, era preciso prestar um exame chamado "vestibulinho". Não passou, não estudou! Sabe porque? Falta de escolas... na época não haviam tantos prédios escolares... Irônicamente, hoje tem várias escolas e pouca gente interessada em estudar.
Outra coisa que não havia nessa época era essa coisa de os Governos Estaduais e Municipais doarem livros, uniformes e lanches para os alunos (aliás uma grande conquista). Na época nós tínhamos que comprar todos os livros bem como o uniforme e levar nosso lanche ou "gastar dinheiro" na cantina escolar.
Se alguém pensou assim: E não podia tirar xérox dos livros para ficar mais barato? A resposta é NÃO.
E tem mais, todos os alunos tinham uma "carteirinha". Essa carteirinha era recolhida por um monitor de sala (um colega que se prestasse a esse serviço) e entregue ao inspetor de alunos que carimbava "PRESENTE" para aquele dia. Se o aluno esquecesse a carteirinha em casa ou realmente faltasse recebia no respectivo dia o carimbo "AUSENTE".
Esse era o maior B.O. para os alunos da época. Mesmo porque, na mesma carteirinha eram anotadas as notas (médias bimestrais) obtidas pelos alunos no período letivo e os pais tinham que "assinar", ficando assim cientes do aproveitamento e do rendimento escolar dos seus filhos.
Tenho que admitir, nessa época muita gente ficou "expert" em falsificação de assinaturas. Tinha até quem cobrasse "algum" pra imitar a assinatura do pai de alguém.
Outra coisa famosa na época era a forma como as notas eram dadas: A,B,C,D e E. Essa forma de avaliação era sem sentido e sempre eram consideradas como "números" mesmo, ou seja, se numa prova haviam 20 questões e nós acertássemos 10 a nota era C (que representa exatamente a metade), veja bem: até 4 E, até 8 D, até 12 C, até 16 B e até 20 A. É claro que alguns professores precisavam "parafrasear" essa notas, por exemplo quando alguém acertava apenas parte de uma conta. E outros ainda inventaram os sinaizinhos de + e -, então passaram a existir notas como E+ ou A- e isso era motivo de muita controvérsia e desconforto entre alunos e professores.
Enfim, chego aos 16 anos, adolescente, fazendo teatro na escola, tomando "umas", cheio de questões interiores e no 2º ano do curso Colegial. Isso me incomodou tanto, porque eu percebia que o mundo todo parecia "andar", mas o meu mundo, a minha casa simples, a nossa situação financeira e tantas outras coisas pareciam estáticas nesse imenso universo... Foi essa indignação que inspirou o meu primeiro livro "Ser Gente, Um Grande Sonho". Mas isso eu vou deixar para o próximo post. Bjos.